Em 1938, o escritor Graciliano Ramos contou a história do retirante Fabiano. O livro "Vidas Secas" retrata o Nordeste e a retirada dos sertanejos para outras regiões do país. Passadas décadas de migração, o nordestino começa a fazer a viagem de volta. "Se fosse hoje, Graciliano contaria o Nordeste sob a ótica do Bolsa Família e da Previdência, e com a volta dessa família nordestina sem perspectiva em São Paulo", compara o professor de economia regional da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Cícero Péricles. Em seis anos, mais de 400 mil nordestinos voltaram para sua cidade de origem.
Os famosos paus-de-arara, que durante boa parte do século 20 foram o símbolo da migração nordestina para o "Sul", deram lugar aos ônibus que trazem os nordestinos de volta à terra natal. Ao contrário do que existia até o início desta década, hoje os números apontam que a região Nordeste recebe mais pessoas do que envia.
A esperança em ter uma vida melhor levou milhões deles a tentar a vida em outras regiões, em especial o Sudeste. Morar no sul do país sempre foi um sonho de quase todo sertanejo nordestino, como o trabalhador rural Leonardo Tavares, 22. Morador da zona rural do município da Pedra, no sertão de Pernambuco, o jovem conta que o desejo de morar em São Paulo, virou frustração no ano passado. "Não posso dizer que realizei o sonho porque pensei que era uma coisa e era outra. Eu fui trabalhar à noite, em uma usina de cana, e era muito perigoso. Então voltei com seis meses de trabalho", afirma.
De São Paulo, ele conta que trouxe apenas R$ 2.000, que investiu para comprar um terreno. Em Pernambuco, voltou a trabalhar no roçado e vive na casa dos pais, que são aposentados e recebem um salário mínimo cada um. "Hoje voltei para casa e jamais retornarei a São Paulo. Vou construir minha casinha no terreno que comprei e viver aqui, perto de minha família", conta.
Há também quem volte para perto da família por ter perdido o emprego. O técnico em mecânica João Abelardo, 49, morou por 17 anos em São Paulo e voltou em 2008 após ser demitido, no ano passado, de uma montadora em São Caetano, no ABC paulista. "Falaram que era a crise mundial. Muitos foram demitidos. Como estava difícil arrumar emprego e tinha um dinheirinho, voltei para minha cidade [Arapiraca, no agreste de Alagoas]. Vou pegar o dinheiro que ganhei e tentar montar o meu negócio", disse.
Sucesso no Rio
Entre os inúmeros casos de retorno frustrado, alguns regressos do Sudeste acontecem após carreiras bem sucedidas. Depois de 32 anos trabalhando como jockey, Juvenal Machado deixou a fama de recordista em vitórias no GP Brasil de Turfe (cinco vezes campeão) e retornou ao alto sertão de Alagoas, em 2002. Ele hoje mora na cidade de Delmiro Gouveia e tem uma fazenda onde cria animais e, claro, ainda monta cavalos.
Apesar do sucesso como atleta, Juvenal conta que, assim como todo nordestino, teve que "ralar" muito para alcançar a fama. "Comecei como tratador de cavalos, depois entrei na escolinha de turfe. A primeira vitória chegou em 1971. Disseram que eu tinha talento. Acreditei e fui adiante", contou.
Em julho do ano passado, ele virou tema do documentário "Lá vem o Juvenal" - numa referência à frase que marcou as narrações do locutor oficial do Jockey Club do Rio de Janeiro, Ernani Pires Ferreira.
Mas a aposta no Sudeste ainda é uma tônica do nordestino que quer melhorar de vida. A jornalista Andréia Amorim arrumou as malas e deixou Garanhuns, terra do presidente Lula em Pernambuco, para tentar a vida em São Paulo como cantora de rock lírico no ano passado.
"Decidi morar em São Paulo porque é uma cidade cosmopolita, que abriga todos os gêneros, todas as tribos. Primeiro morei em Campinas, mas agora estou na capital. Me mudei com a intenção de viver de música mesmo, divulgar o trabalho, e a receptividade tem sido muito boa", comemora a cantora, que quer voltar ao Nordeste apenas para fazer shows.
Carlos Madeiros
Especial para o UOL Notícias em Maceió
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